segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O cúmulo do acúmulo

Caro ministro Nelson Jobim, esta semana encontrei uma declaração sua em notícia na internet da qual só não dá para dizer que “caiu do céu” porque ultimamente esta é uma piada de muito mau gosto. Dizia V.S.ª “que haverá problema de acúmulo” de passageiros nos aeroportos durante o feriado.

Pois ora, veja só, ilibado ministro, até onde vai meu pouco conhecimento sei que é possível acumular capital e fortuna, por exemplo; ou, ainda, acumular ações da Petrobrás - aliás, este um negócio tão bom que até o companheiro Chavez quer entrar na dança com uma tal petrolífera das Américas ou coisa que o valha. Também dá para acumular cargos, mas isso, tenho certeza, o governo que o emprega não autoriza nem pratica; há quem acumule livros, um hábito sensacional não fossem eles feitos para passar de um leitor a outro em vez de ficar guardados.

Agora, com toda sinceridade, ministro, gente não se acumula, a não ser naqueles vagões hediondos em que os nazistas transportavam prisioneiros para os campos de concentração, ou nas valas comuns em que se acumulavam corpos e sonhos desfeitos a base de cal.

Gente, ministro, às vezes simplesmente sofre, e por diversos motivos. Um deles, ao menos nos últimos tempos, é a inépcia de quem cobra impostos e não os devolve em forma de serviços razoavelmente bem prestados. Exemplos não faltam, e estes sim podem até se acumular. São aposentados que sofrem com processos intermináveis e se tornam vítimas fáceis dos piratas do crédito consignado (autorizado oficialmente pelo mesmo governo para o qual o senhor trabalha, inclusive um banco para quem um romântico senador facilitou a entrada neste mercado bastante interessante); são consumidores engambelados por companhias telefônicas cujo atendimento é instantâneo na hora da venda, mas torna-se incrivelmente moroso e difícil quando, por direito de consumidor, se tenta cancelar qualquer produto ou serviço; ou ainda jovens que acumulam déficits impensáveis na escola por conta de políticas tortas em educação.

Enfim, a lista de acúmulos muito piores do que passageiros à espera de um avião é bastante razoável.

Contudo, prestativo ministro, sua esclarecedora previsão de caos nos aeroportos nos dá a chance de perceber algo importante, que é como todos somos vistos pelas “otôridades”. Cidadãos que tentamos ser, nos resta apenas a condição de coisas. Porque coisas se acumulam. Há também coisas que voam, como os familiares mortos na recente queda de um jatinho em São Paulo. Um brigadeiro da Aeronáutica comentou que o Campo de Marte, de onde o avião decolou, era vetado a autoridades por não oferecer todos os requisitos de segurança. Quer dizer, autoridade com cargo nomeado é mais gente do que os outros e não voa por ali por falta de segurança, mas o resto que se dane. Quem manda querer voar, ainda mais de jatinho?

Nem precisa ser apenas com jatinhos. Sugiro, intrépido ministro, que o senhor, além de visitar a Amazônia em uniforme camuflado (fico pensando qual será sua opção se for convidado a desfilar no carnaval carioca...), passe uma semana em ônibus de linhas circulares, especialmente em São Paulo. É um primor de acúmulos. Ou que acompanhe de madrugada as filas nas consultas do sistema público de saúde.

Talvez o senhor perceba que escolheu a palavra errada. Não é acúmulo. É o cúmulo, ministro.

(Publicado originalmente no jornal Comércio do Jahu em 14.nov.2007)

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