quinta-feira, 22 de março de 2007

Do asfalto à fibra ótica

Não sei ao certo quantos éramos em 1994. Sítios desenvolvidos com tecnologia Flash e outras quinquilharias digitais, mesmo se existissem, provavelmente não rodariam nas conexões discadas a 56 kbps. Ou, se rodassem, demorariam um fim de semana inteiro para isso. Salas de bate-papo, e-mail e alguns portais eram praticamente obrigatórios. Mas havia algo mais: um caráter meramente anárquico, desorganizado mesmo. Uns experimentavam, outros acabavam perdidos, havia ainda quem visse ali oportunidades jamais concretizadas.
Em 1999, quando começou a se desenhar a explosão da internet, o Brasil contava com pouco mais de 2,5 milhões de pessoas conectadas. Três anos depois eram aproximadamente 7,7 milhões. Em 2007, o número de internautas brasileiros – eventuais e usuários constantes – poderá atingir 30 milhões de pessoas, dos quais metade já têm acesso pessoal (em casa ou no trabalho) à rede mundial. Somos o 11º país em número de usuários. Temos 18,3 milhões de computadores pessoais. Cinco milhões de brasileiros já utilizam acesso banda-larga e a média de navegação no País é de 14 horas e meia por mês.
Mesmo com tudo isso, foi inevitável lembrar da internet em 1994 em apenas uma hora de estrada rumo a uma universidade próxima. Por mera questão de traçado geográfico o caminho mais curto cruza, na maior parte da viagem, áreas rurais e pequenas cidades. Acostamento, quando surge, é precário e coberto por grama; a sinalização é apenas suficiente e o asfalto deixa a desejar.
Mas há sombra em boa parte da estrada. Árvores, grandes, algumas floridas; pequenas entradas para sítios idem, famílias em trajetos curtos à beira da estrada, vendedores disso e daquilo. Claro, inexiste a segurança pasteurizada e os postos com iluminação feérica das rodovias duplicadas, mas também não há pedágios, cãezinhos engaiolados e piscinas à venda, excessos visuais e econômicos.
Em “Zen e Arte da Manutenção de Motocicletas”, ao falar sobre a relação entre compreensão de mundo e temas como tecnologia, relações humanas, o autor diz que a maioria das pessoas não se arrisca a subir montanhas e, quando o fazem, descobrem que há vários caminhos.
O raciocínio vale para estradas e para a internet. Conexões banda-larga, acostamentos de sonho e várias pistas à disposição garantem, sem dúvida, conforto e segurança. Mas tanto conforto como segurança transformam-se em comodismo e inércia se excessivos e costumeiros. Ambos são meras ferramentas e não o serviço ou o trajeto em si.
Conexões melhores e computadores mais potentes têm servido, em boa parte, apenas para provedores e mascates eletrônicos venderem mais e mais caro seus produtos e serviços. Aos poucos, perdem visibilidade iniciativas independentes e inovadoras, portais desvinculados de interesses econômicos e mantidos apenas por quem acredita no tráfego livre de informações e na comunicação em escala mundial.
Estradas duplicadas mantidas por tarifas abusivas de pedágio, se oferecem alguns serviços supostamente sob a responsabilidade do Estado – afinal, paga-se IPVA – sacrificam a possibilidade do encontro com outras culturas em nome da velocidade e da pressa em chegar. A distância de um ponto a outro não ficou menor, apenas mais pobre. Em vez do vendedor de queijo, laranja ou pamonha, balcões refrigerados; em vez de sombra, faixas avisando que ou você obedece, ou vai ser dar mal, muito mal; em vez de paisagens diversas, a monotonia dos outdoors.
No entanto, nem tudo é ruim ou manipulado. Na internet, por exemplo, há Leminski, lunático camuflado de curitibano: “essa idéia/ninguém me tira/matéria é mentira”. Há consolo, pois, estradas não passam, ficam, mas saber como e por quais enveredar pode ser maior do que qualquer mentira.

(Publicado no jornal Comércio do Jahu em 22.03.2007)

Para não esquecer

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
(Fernando Pessoa, 2-8-1933)

segunda-feira, 19 de março de 2007

Poesia, consumo e identidade

A coisa somos nós. Bem o sabia Drummond, apesar de desconfiar que mesmo ele pouco se aventurasse a considerar o ponto a que chegamos.