Do asfalto à fibra ótica
Não sei ao certo quantos éramos em 1994. Sítios desenvolvidos com tecnologia Flash e outras quinquilharias digitais, mesmo se existissem, provavelmente não rodariam nas conexões discadas a 56 kbps. Ou, se rodassem, demorariam um fim de semana inteiro para isso. Salas de bate-papo, e-mail e alguns portais eram praticamente obrigatórios. Mas havia algo mais: um caráter meramente anárquico, desorganizado mesmo. Uns experimentavam, outros acabavam perdidos, havia ainda quem visse ali oportunidades jamais concretizadas.
Em 1999, quando começou a se desenhar a explosão da internet, o Brasil contava com pouco mais de 2,5 milhões de pessoas conectadas. Três anos depois eram aproximadamente 7,7 milhões. Em 2007, o número de internautas brasileiros – eventuais e usuários constantes – poderá atingir 30 milhões de pessoas, dos quais metade já têm acesso pessoal (em casa ou no trabalho) à rede mundial. Somos o 11º país em número de usuários. Temos 18,3 milhões de computadores pessoais. Cinco milhões de brasileiros já utilizam acesso banda-larga e a média de navegação no País é de 14 horas e meia por mês.
Mesmo com tudo isso, foi inevitável lembrar da internet em 1994 em apenas uma hora de estrada rumo a uma universidade próxima. Por mera questão de traçado geográfico o caminho mais curto cruza, na maior parte da viagem, áreas rurais e pequenas cidades. Acostamento, quando surge, é precário e coberto por grama; a sinalização é apenas suficiente e o asfalto deixa a desejar.
Mas há sombra em boa parte da estrada. Árvores, grandes, algumas floridas; pequenas entradas para sítios idem, famílias em trajetos curtos à beira da estrada, vendedores disso e daquilo. Claro, inexiste a segurança pasteurizada e os postos com iluminação feérica das rodovias duplicadas, mas também não há pedágios, cãezinhos engaiolados e piscinas à venda, excessos visuais e econômicos.
Em “Zen e Arte da Manutenção de Motocicletas”, ao falar sobre a relação entre compreensão de mundo e temas como tecnologia, relações humanas, o autor diz que a maioria das pessoas não se arrisca a subir montanhas e, quando o fazem, descobrem que há vários caminhos.
O raciocínio vale para estradas e para a internet. Conexões banda-larga, acostamentos de sonho e várias pistas à disposição garantem, sem dúvida, conforto e segurança. Mas tanto conforto como segurança transformam-se em comodismo e inércia se excessivos e costumeiros. Ambos são meras ferramentas e não o serviço ou o trajeto em si.
Conexões melhores e computadores mais potentes têm servido, em boa parte, apenas para provedores e mascates eletrônicos venderem mais e mais caro seus produtos e serviços. Aos poucos, perdem visibilidade iniciativas independentes e inovadoras, portais desvinculados de interesses econômicos e mantidos apenas por quem acredita no tráfego livre de informações e na comunicação em escala mundial.
Estradas duplicadas mantidas por tarifas abusivas de pedágio, se oferecem alguns serviços supostamente sob a responsabilidade do Estado – afinal, paga-se IPVA – sacrificam a possibilidade do encontro com outras culturas em nome da velocidade e da pressa em chegar. A distância de um ponto a outro não ficou menor, apenas mais pobre. Em vez do vendedor de queijo, laranja ou pamonha, balcões refrigerados; em vez de sombra, faixas avisando que ou você obedece, ou vai ser dar mal, muito mal; em vez de paisagens diversas, a monotonia dos outdoors.
No entanto, nem tudo é ruim ou manipulado. Na internet, por exemplo, há Leminski, lunático camuflado de curitibano: “essa idéia/ninguém me tira/matéria é mentira”. Há consolo, pois, estradas não passam, ficam, mas saber como e por quais enveredar pode ser maior do que qualquer mentira.
(Publicado no jornal Comércio do Jahu em 22.03.2007)