sábado, 28 de abril de 2007

Asfalto, neuroses e um filme de primeira

A semana não poderia ter terminado melhor. Sexta à tarde e não fosse o comentário da galera ainda no carro, indo para casa ("ih, olha o cartaz da Miss Sunshine"), teria passado batido. Mas valeu e deu para encontar recém-lançado em DVD "A Pequena Miss Sunshine". O filme é um primor.
Normalmente, quase todo road-movie trata da estrada para os sonhos dos personagens, a procura por si mesmo, etc, etc, etc. "Miss Sunshine", não. Em vez disso, o filme - dos novatos em cinema Jonathan Dayton e Valerie Faris - mostra mesmo é uma família desencontrada que, na estrada, ao buscar um sonho, precisa mesmo é encarar seus próprios pesadelos. Incluem-se aí o pai, um fracassado vendedor de palestras e um quase-livro de auto-ajuda; um adolescente depressivo, revoltado e mudo por opção (tirando mudo, que adolescente não é??), um avô doidão viciado em heroína e expulso por isso do asilo, a mãe e o tio suicida. Todos numa mesma Kombi cuja embreagem sequer funciona para levar a desconcertante Olive ao concurso de "Pequena Miss Sunshine", na Califórnia.
E mais não conto.
Assistam.
Para ler mais sobre:
Liberati
Crítica no Yahoo Filmes
Resenha do Merten, no Estadão

terça-feira, 24 de abril de 2007

Muda ou não muda?

Sobre as mudanças previstas na reforma ortográfica, o artigo abaixo merece uma leitura. Nosso amado e inédito presidente Lula já aderiu, posto que pediu a repórteres outro dia que ficassem "trankilis", assim, sem trema mesmo. Vamos todos, então...


Vão seqüestrar o trema!

Gabriel Perissé

Quando o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 entrar em vigor, talvez muitos brasileiros mal percebam as alterações. Eu, no entanto, já estou pregustando as amargas mudanças, por menores que sejam.

Está previsto, por exemplo, que o trema desapareça. O trema, que já não era visto nas páginas da Folha de S. Paulo e da revista IstoÉ, sumirá do nosso idioma para todo o sempre. Vou sentir muita falta. Jamais me acostumarei (tremo só em pensar) a sequestros sem trema, consequências sem trema, sanguíneo sem trema.

Os professores de língua portuguesa que se irritavam quando liam a Folha e IstoÉ, ou punham com caneta vermelha os tremas esquecidos nas redações de seus alunos, terão agora que, humildemente, reconhecer a verdade. Não se tratava de esquecimento, no caso dos alunos, ou de arrogância, no caso daquele jornal e daquela revista. Era pura premonição!

Todos tranquilos

Outra mudança: paroxítonas terminadas em "o" duplo perderão o acento circunflexo. "Abençôo" será "abençoo", "enjôo" será um despojado "enjoo" e os "vôos", que já estavam com problemas há meses nos aeroportos brasileiros, terão mais uma perda: o "chapeuzinho". Os "voos" sem circunflexo me deixam perplexo.

O acento agudo nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas também será suprimido. "Assembléia", "idéia", "epopéia" vão ser "assembleia", "ideia" e "epopeia". Que cefaléia! "Jibóia" e "tramóia" serão inofensivas "jiboia" e "tramoia".

Se eu pudesse propor alguma mudança relativa à acentuação, mandaria adotar a simplicidade do inglês — não há acentos, ninguém perde tempo com isso. Aliás, a rigor, os acentos já deixaram de existir para milhares de pessoas, sobretudo quando escrevem na internet. Nada de til, acento agudo, acento grave, estão todos tranqüilos, ou melhor, tranquilos. Para esses escritores revolucionários, o acordo informal já foi feito, blz!

Apenas uma idiossincrasia

Aceitarei de bom grado tudo, menos a queda do trema. Os "linguistas" sem trema me fazem pensar que a língua será "linga". Os "bilingues" e "trilingues" estarão mais próximos do estilingue. Comer "linguiça" vai ser um enguiço! Uma nota de "cinquenta reais", eu não "aguentarei"! E o "pinguim", coitado. E a "eloquência" empobrecida...

Bem sei que isso é idiossincrasia. Nada que o tempo não possa curar. Na pior das hipóteses, os amantes do trema não viverão para sempre. Daqui a duzentos anos todos vão achar estranho que houvesse gente usando esses dois pontinhos em cima da letra "u".


(Fonte: Observatório da Imprensa, 17/04/2007 – www.observatoriodaimprensa.com.br)

Sobre variações linguísticas, texto, vocabulário e estilo

Muito bom.
Para quem conhece pouco o Ubaldo, recomendo a leitura de "Viva o Povo Brasileiro" (algum maluco colocou o romance - não sei se na íntegra - na internet!), "O Sorriso do Lagarto" e especialmente "A Casa dos Budas Ditosos", este sobre a luxúria, que integra uma série excelente sobre os sete pecados capitais.
O artigo abaixo é um dos muitos nos quais ele fala sobre o uso da língua portuguesa. Se alguém encontrar, recomendo um texto no qual Ubaldo cita a coragem de um então aluno seu que declarou haver o verbo "fôr" (entre o ser e o ir....) e o conjugou em sala, instado a tanto. Incrível...

A decadentização da língua

João Ubaldo Ribeiro


Claro, todo mundo já ouviu dizer que línguas são como seres vivos, que mudam com o tempo e até morrem. É verdade e, se não fosse assim, alinda estaríamos falando latim. Nada, portanto, contra as mudanças na língua, contanto que sejam ditadas por uma razão mais ou menos respeitável, até mesmo pela famosa lei do menor esforço, quando não redunde em empobrecimento da capacidade de expressão. Mas acho que está havendo um certo exagero e, daqui a pouco, estaremos falando um dialeto primitivo de umas 300 palavras par pessoas cultas e umas 25 para a maioria.

Começa-se, é claro, com as chamadas “palavras-ônibus”. Servem para tudo e, em português, as mais comuns atualmente são “maravilha” e seus derivados, “super”, “parada” e “valeu”, que, com alguns acréscimos, podem constituir toda uma conversação.

- Eu super me dei bem naquela parada – diz o primeiro.

- Ah, aquilo sempre foi uma maravilha – responde o segundo.

- Ah, supervaleu! – despede-se o primeiro.

O “cujo”, coitado, restinho do genitivo que ainda sobrava por aqui, passou da categoria de pedante, entrou para a de pernóstico e, em breve, será arcaísmo. Ninguém mais diz “cujo”, só diz “que”. “A moça que eu vi o pai ontem” é o certo hoje em dia e quem disser “a moça cujo pai eu vi” corre o risco de não ser entendido. Sei que vai haver entre vocês quem não acredite e ou até compreende, embora esteja contatando a verdade. Outro dia eu disse um “cujo” numa entrevista e a entrevistadora me deu a impressão de que só entendeu depois de pensar em alguns laboriosos segundos.

Há também um movimento que cada vez aumenta mais, para abolir a preposição “a” no uso corrente. Ou seja, prestando atenção, você vai ouvir na televisão alguém dizendo “daqui dois dias” ou, bem pior, “igual eu” . Em compensação “neste ano” “nesta semana” por exemplo, que nunca foram correntes para dizer, “este ano” ou “esta semana” , agora são a única maneira certa de falar. “Neste ano, tu vai fazer igual eu, procurar uma parada diferente no carnaval, não é?

Os verbos vêm sofrendo bastante também. Por exemplo, poucos entre nós, tem visto alguma coisa recentemente. A maior parte de nós hoje visualiza, principalmente quando enxerga. Ver a gente volta e meia ainda vê, mas ninguém enxerga mais, só visualiza. Até a sinal a gente não prestas mais atenção, a gente nota a sinalização. Ninguém chama a atenção para nada, sinaliza e nós vemos a sinalização, não o sinal. O verbo “pegar”, não sei bem por quê ( tem acento aí nessa quê, garanto a vocês – de vez em quando me comem um circunflexo), virou abundante e o certo, que era errado, é cada vez mais “pego” e outro dia um motorista de táxi se embasbacou porque eu sou da Academia e disse “pegado” a ele. E novamente garanto que não estou mentindo: já ouvi “eu tinha falo”, em vez de “falado”, o que talvez não cole porque fica chato tanto para homem quanto para mulher dizer isso, considerando que “falo” é substantivo e tem muito pouco a ver com a fala.

Os timbres também são amalucados. A droga “ecstasy” é para ser pronunciada com “e” aberto, pelo menos enquanto não for naturalizada, mas aqui virou uma maneira exótica de pronunciar “êxtase”. Isso, aliás, é comum, na incorporação de palavras dce nossa língua-mãe, ou seja, o inglês. Quando o “volley” (“vóli”, às vezes quase “válhi”) se naturalizou, virou “vôlei”. Até aí, tudo bem, naturalização é naturalização, mas por que “doping”, além de receber frequentemente dois pp, é “dópingue”? (Aliás, isto me traz à cabeça algo que tem pouco a ver com o que escrevo agora: por que a gente se irrita tanto quando inglês ou americano escreve Brasil com z? Em inglês é com z, assim como América aqui é com acento, França é com cedilha e “a” no fim e Alemanha é bastante diferente de Deutschland. Deve ser nosso combativo nacionalismo de araque). Outra mudança de timbre que me chateia é a de “obsoleto”. Não é conhecimento secrêto que o corrêto – e não é preciso ser discrêto quanto a isso – é “obsoleto”, mas escuto gritos de “olha o baiano” sempre que pronuncio certo. Tenho vontade de acertar um “dirêto” no cara.

“Loira”, que era variante, agora está ficando padrão. Ninguém, que eu tenha escutado, diz que um sujeito é “loiro” e eu acho que até pega mal em certas mesas de boteco, mas só se escreve “loira” agora. Outras palavras não estão tendo formas destronadas, estão sendo expulsas da língua, como os bons e velhos verbos “pôr” e “botar”. Acho que até em Itaparica galinha já está colocando ovo, em vez de botar. Colocando, imaginou eu, é mais elegante. Da mesma forma, “penalizar”, um verbo antes tão expressivo, botou para fora “punir” (não sem uma certa relação com o que acontece na sociedade) e “prejudicar”. Ninguém prejudica mais, só penaliza, que tem a vantagem adicional de terminar em “izar”.

A linguagem informática também traz suas pesadas contribuições. Por que diabo “salvar”, que não quer dizer nem “guardar”, nem “gravar” nem nenhum sinônimo destes, é usado, quando temos palavras perfeitamente adequadas? Por que “malévolo”, “mal-intencionado” ou “maldoso” é “malicioso”? Por que “corporate”, até fora da linguagem informática, é “corporativo”? Por que um determinado sistema não “suporta” outro, como se se detestassem?

Finalmente, adeus para “existir” e “haver”. Agora só se diz “você tem”. “Você tem uma área chamada Amazônia. Muito bem, que é que você tem lá? Você tem uma floresta que precisa ser preservada. E aí você tem que caminhos?”. Eu não sei, só sei que nós tínhamos uma língua própria antigamente.

(Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, 22.04.2007, página D3)