Aprender, ensinar e aprender de novo
"Não dormi porque fiquei com dó”.
Esse foi o comentário de um aluno sobre palestra realizada havia poucos dias e surpreendeu menos pelo ineditismo e mais pela freqüência com que se ouvem frases desse tipo. Não é segredo que aumenta cada vez mais a distância entre as práticas escolares e a perspectiva e atitudes dos alunos. Mas afinal de contas, o que acontece? Onde está o ruído na comunicação entre professores e alunos? Há tantas teorias sobre o problema quanto propostas de solução, mas nenhuma parece dar conta de resolvê-lo.
Algumas pistas, no entanto, podem ajudar, como um caso ocorrido na Austrália: durante a aula, um professor admitiu não saber exatamente o que cangurus comem e se comprometeu a obter a informação para o dia seguinte. Um aluno disse não ser necessário esperar: ele poderia obtê-la “em instantes”. Provavelmente, acessaria a internet por meio do celular e além de um texto obteria um vídeo sobre o tema e, quem sabe, o compartilharia com outros colegas enviando o material em uma mensagem multimídia por correio eletrônico ou conexão sem fio.
Apesar disso, a escola continua sendo a escola. É onde o próprio aluno espera aprender algo útil, capaz de prepará-lo para o resto dos seus dias; é também local de interação social, onde ao lado de disciplinas básicas – língua, ciências naturais e matemática, ciências humanas – aprende-se a viver e a conviver com a diferença e a semelhança e a lidar com elas. É razoável imaginar que o problema não está em “o quê” (o conhecimento), mas no “como” se ensina.
Não é o caso de sair por aí queimando carteiras e lousas, distribuindo notebooks a cada aluno e liberando geral o uso do celular em sala de aula. Ferramentas – microcomputadores, lousas digitais e etecéteras - são apenas isso: ferramentas. Pesa, no entanto, a percepção sobre como lidar com crianças e adolescentes cuja carga de informação, não raro, é superior à do professor.
O que este último tem como vantagem e deve explorar é a habilidade no manejo do conhecimento, a competência para selecionar, organizar e dar sentido às informações. Na Europa, pesquisas mostram que a primeira “geração Net” chegou às universidades já há dez anos. Desde então, tudo mudou – inclusive a tal “geração Net”.
Mas algo permanece: estes alunos ainda têm vontade de aprender. Possuem objetivos. São pragmáticos, isto é, querem foco no aprendizado; desenvolvem formas distintas de pensar, de se comunicar e apreender informações. Buscam ambientes desafiadores, exigem retorno (o tal “feedback”, isto é, querem saber como estão e o que vão fazer com o conhecimento). São “multitarefa”, isto é, conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo – e disso decorre também uma redução no tempo médio de atenção durante a aula.
O mesmo estudo detectou que o aluno, ao reclamar da aula “chata”, na verdade diz: “tenho muitas coisas a fazer e pouco tempo”. E não é exagero: a carga de informação e de opções disponíveis nunca foi tão grande e tende a aumentar. Essa geração Net representa hoje nada menos do que 7% de toda a população mundial.
O impacto no manejo da informação e do conhecimento, como é de se supor, é imenso e inclui outros obstáculos. Entre os já detectados estão um senso de imediatismo, a “lei do menor esforço” e a falta de aprofundamento nos assuntos discutidos. Não tanto por preguiça ou comodismo, mas estarem submetidos a um sistema que possui tais características.
É impossível desprezar isso e acreditar que as aulas ainda devem ser como há dez, vinte ou cem anos. Ninguém vai substituir imediatamente o ambiente na sala de aula e nem esta apenas é a solução. Mas pensar metodologias mais desafiadoras, estimular práticas de aprendizado em grupo e utilizar as informações e as habilidades do aluno pode ser um bom começo.
Clique aqui para ler as pesquisas citadas neste artigo
(Publicado originalmente no jornal Comércio do Jahu)
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